terça-feira, 17 de abril de 2012

Parábola do rico e Lázaro



(Lc 16:19-31)

Esta parábola extremamente sé­ria nasceu da zombaria dos fariseus com relação ao ensinamento da pa­rábola que tinham ouvido dos lábios de Jesus (Lc 16:14). Aqueles líderes religiosos possuíam uma vida de luxo, e viviam no amor ao dinheiro e nos prazeres que a riqueza podia comprar. No entanto, zombaram do conselho sobre a melhor maneira de usar os bens materiais em benefício de outras pessoas, de tal forma que conquistassem recompensas eter­nas. O seu dinheiro lhes pertencia e eles não queriam algum conselho de Jesus sobre como usá-lo corretamen­te. Surgiu então essa parábola, a qual ensina sobre o terrível fim da­queles que vivem apenas para satisfazer os seus próprios desejos, peca­minosos e egoístas. Os "bens" (Lc 16:25) que lhes pertenciam seriam muito aproveitáveis no mundo, mas a confiança foi traída e o resultado de uma vida, da qual eles abusaram, levou-os ao inferno.
Inicialmente notamos, como diz Sell, que "esta parábola não deseja­va, como objetivo primário, enfatizar as terríveis conseqüências pelo abu­so das riquezas e, pela atitude sem coração, do desprezo aos pobres, mas declarar que os homens não podem organizar e harmonizar, obedecen­do aos seus próprios interesses, a reverência a Deus que professam ter e o amor que possuem em satisfazer os seus próprios prazeres; que os valores externos não são indicado­res infalíveis quanto ao caráter; que os critérios de avaliação de Deus são justos e (talvez o mais importante de tudo); que os hábitos, cultivados por muito tempo, acabam fixando o ca­ráter, para bem ou mal, no tempo e na eternidade".
Há alguns escritores que não con­sideram essa narrativa, peculiar a Lucas, uma parábola. Sustentam que não é chamada "parábola", pois apresenta nomes. Nunca são dados nomes em todas as outras parábolas de nosso Senhor. Ele não tinha o cos­tume de inserir nomes em seu ensi­no parabólico. O rico e Lázaro eram personagens reais; possivelmente Cristo os conhecia, e a sua história, nesse mundo e no porvir, é solene­mente localizada por Jesus com o ob­jetivo do proveito moral dos homens em todos os lugares. Abraão, Moisés e o Hades são realidades, não figuras de linguagem. Mas se a narrativa era uma história real, por outro lado os fatos são apresentados em forma sim­bólica e os "símbolos são as sombras projetadas das realidades".
Antes de examinarmos a série de grandes contrastes e suas aplicações, devemos afirmar que o rico não foi para o inferno porque era rico, e nem Lázaro foi para o seio de Abraão por­que era pobre. Há multidões de pes­soas no céu que uma vez foram ri­cas, exatamente como há miríades de pessoas no inferno, que uma vez foram pobres. Nem abundância nem pobreza determinam a condição eter­na de ninguém. Somente o nosso re­lacionamento com Jesus decide a nossa felicidade ou aflição eternas.

O contraste na vida. Que extre­mos na vida social o nosso Senhor apresenta nessa parábola! O "certo homem rico" é conhecido como divas, o termo em latim para "rico". A tra­dição lhe deu o nome de Ninevis, e o seu contraste com Lázaro é o ponto central da narrativa. Esse homem sem nome, até onde a Bíblia fala dele, era rico, pois pertencia a uma família abastada. Não há dúvida de que os seus cinco irmãos, tão ricos quanto ele, formavam todos um dos grupos de magnatas mais ricos das redondezas. Por causa de suas rique­zas, o rico podia vestir-se do melhor que havia, e comer e beber com mui­ta fartura todos os dias.
Embora o rico e sua família fos­sem ímpios, afastados de Deus, nada é dito sobre ele ser totalmente de­pravado. Ele não é apresentado como o culpado de algum pecado notório, ou um monstro da sociedade. Ele não é colocado diante de nós como um ti­rano ou um opressor dos pobres. Se fosse notoriamente egoísta ou sem caridade, jamais teria permitido a Lázaro que ficasse à sua porta, dia após dia, pedindo esmolas. Sem dú­vida ele vivia uma vida luxuosa e cuidava de si mesmo, mas não é con­denado por causa de sua riqueza. Ele foi para o inferno porque não perce­beu que Deus o havia feito o seu pro­curador, com riquezas e influência que poderiam ser usadas para a gló­ria do Todo-Poderoso e o benefício es­piritual e material do seu próximo.
Portanto foi a sua perversidade e não a sua riqueza que lhe trouxe o sofri­mento eterno. O seu egoísmo, não o seu apetite pelas coisas carnais (ne­nhum ato notório de malignidade, mas por deixar de ter Deus como o centro de toda a sua vida), foi que o fez ficar debaixo da condenação da­quele a quem ele devia tudo o que possuía. Não há vícios ou crimes lan­çados em sua conta. O seu pecado foi que ele só vivia para o presente.
Falando agora de Lázaro, ele é notório por ser essa a única vez que Jesus dá um nome a uma persona­gem de sua parábola. Porém, uma parábola pode conter um nome pró­prio (Ez 23:4). Ele podia ser realmen­te um mendigo que Jesus, os discí­pulos e os fariseus conhecessem, mas o significado do seu nome sugere que o objetivo em mencioná-lo foi simbo­lizar a miséria externa de alguém que não tinha qualquer outro auxí­lio senão Deus. Lázaro significa "Deus tem ajudado", ou "Deus é aquele que ajuda". A palavra men­digo traz em si a idéia de pobreza, mais do que de mendigar. Em con­traste com o rico, ele era pobre e nada possuía: o rico se vestia de púr-pura e linho fino, e o mendigo com trapos; o rico vivia numa mansão imponente, e o mendigo fora coloca­do à porta daquele casarão, por ami­gos que se condoeram dele; o rico ti­nha um corpo sadio e bem alimenta­do, e o mendigo estava cheio de cha­gas; o rico vivia suntuosamente todos os dias, e o mendigo vivia das miga­lhas que caíam de sua mesa; o rico tinha médicos que cuidavam dele, e os cães lambiam as chagas de Lázaro.
Contudo o mérito de Lázaro não estava no triste fato de ser pobre, incapaz e doente. Um mendigo pode ser tão vil e sujo no coração quanto no corpo. Não, o pensamento precio­so é que enquanto jazia à porta do rico, contemplando com olhos famin­tos as migalhas que lhe traziam, ele aprendeu a estar contente. Como fi­lho de Abraão, ele achou em Deus o seu auxílio. Como um pensionista, dependendo da generosidade divina, ele sabia que o seu pão e a sua água estavam garantidos. No final, ele foi para o Paraíso, não porque era po­bre e doente; mas porque, apesar de sua condição lamentável, ele havia servido a Deus, e encontrado cons­tante auxílio nele. Resta-nos o mis­tério por que foi permitido que um homem bom como Lázaro ficasse tão privado de bens materiais e doente. Se Deus era o seu auxílio, por que ele não foi aliviado de sua miséria? E também por que foi permitido a uma pessoa tão egocêntrica e egoísta, como o rico, que possuísse tamanha rique­za? Essas perguntas não foram res­pondidas por Jesus, que na parábola procurou focalizar a atenção de seus ouvintes sobre a séria lição de que a vida a qual vivemos na terra deter­mina nossa condição eterna.
O contraste na morte. Os dois homens que Jesus apresentou foram tão opostos na morte, quanto tinham sido na vida. Como a morte do men­digo vem primeiro na narrativa, pen­semos primeiro nela. Tudo o que Je­sus disse sobre ele foi: "Morreu o mendigo". Nada é dito sobre o seu funeral. Tão pobre, não tinha condi­ções de deixar algo que pudesse pa­gar um sepultamento decente. Ele teve um funeral ou o seu cadáver doente e magro foi lançado rude e insensivelmente pelos funcionários públicos no campo do oleiro? Nas palavras do hino inglês eles:

Sacudiram os seus ossos
Sobre as pedras;
Ele é apenas um pobre
Que não pertence a ninguém.

Campbell Morgan diz que os mendigos do tipo de Lázaro não eram sepultados. "Quase que inevitavelmente as pessoas apanhavam o corpo desconhecido, sujo, e o car­regavam apressadamente, no início do amanhecer até chegarem a Tofete, Geena, o monte de lixo e refugo que ardiam em fogo, onde o lançavam. Essa era uma realidade conhecida na época, e o próprio fato de que não somos informados sobre Lázaro ter sido sepultado, nos leva a crer que este foi o seu fim". Mas, embora o seu corpo tenha tido um fim desonroso, os anjos vieram e o leva­ram ao Paraíso. Aqueles guardiões angelicais dos justos escoltaram o espírito de Lázaro ao mundo da fe­licidade, pois sabiam o caminho para lá.
Mas com o rico foi diferente. Ele faleceu, como todos têm de morrer, sejam ricos ou pobres, mas "foi se­pultado" e, sem dúvida alguma, teve um funeral imponente, com pranteadores alugados, e todo o es­plendor de aflição que ele tinha con­dições de pagar. No entanto, embo­ra o seu corpo fosse transportado para um túmulo ornamentado com todas as honras devidas, a sua alma estava solitária, quando partiu da terra. Não apareceu uma escolta de anjos para acompanhá-lo às regiões onde estão os abençoados. Ele foi di­retamente para o inferno, a fim de ali suportar o tormento. Para ele, mesmo sendo judeu, não havia uma plenitude de felicidade angelical, um lugar de descanso no seio de Abraão. Todo o esplendor ostensivo do rico não lhe pôde comprar o cavaleiro do cavalo branco, nem assegurar-lhe a felicidade eterna, dalém túmulo. Em sua morte, o rico era mais paupérri­mo do que Lázaro jamais fora. Ele foi para a eternidade, nu, despojado de tudo o que tinha possuído e com a terrível conscientização de que ja­mais possuiria uma herança eterna. Como seria diferente se Deus, e não o ouro, estivesse em primeiro lugar em sua vida!
O contraste na eternidade. Ao vir da eternidade, não havia alguém mais capaz do que o Filho Eterno para abrir o véu que separa o mun­do material do invisível. Com conhe­cimento divino, ele podia falar com autoridade sobre a vida futura. O que então estava implícito em seu uso da figura de linguagem judaica, Hades, que é o termo grego para "in­ferno"? O vocábulo significava o lu­gar dos espíritos que partiram, o mundo não visto dos mortos, tanto bons quanto maus. Esse reino, úni­co e grande, era dividido em duas esferas —o seio de Abraão, ou Para­íso para os justos; e o "inferno", a morada dos injustos. Quando Cristo ressuscitou, procedente do Paraíso e subiu às alturas, levou cativo o ca­tiveiro, o que significa que esvaziou aquele lugar e levou consigo todos os prisioneiros, que viviam na espe­rança, para a casa do Pai. Agora, quando um crente morre —ausente do corpo, ele está presente com o Senhor!
A outra esfera, o Hades —infer­no— permanece e é a morada tem­porária das almas perdidas. Todavia o inferno dará lugar ao Lago de Fogo que será o depositário final de todos os que morreram sem Cristo (Ap 20:14). Estar no "seio de Abraão" sig­nifica encontrar-se perto do santo patriarca, a fim de compartilhar o seu estado de bênçãos. Como um fi­lho de Abraão, Lázaro agora desfru­ta de estar próximo dele como co-herdeiro e companheiro. O rico o con­siderara um rejeitado de Deus, mas no mundo invisível ele é altamente honrado como amigo do pai da fé, a quem Deus chamou de seu "amigo".
O que não se pode negar quando lemos a descrição de nosso Senhor, da vida além, é que seja um estado de existência consciente com o uso contínuo de nossas faculdades. Para Lázaro, o Paraíso era um lugar e um estado de alegria extrema e de comunhão celestial. Para o rico, o in­ferno era o lugar e a condição de re­morso, sofrimento e aflição. Eviden­temente, no Hades, como existia na época em que Jesus proferiu esta pa­rábola, as duas esferas divididas es­tavam próximas uma da outra, por­que o rico podia ver Abraão ao longe e Lázaro perto dele, ao seu lado.
O contraste entre as duas almas que partiram foi dado por Jesus, quando disse que Lázaro "é consola­do e o rico atormentado". A palavra para confortar é parakaleo, da qual temos paracleto, a designação usada para o Espírito Santo, o con-fortador divino. A palavra significa "chamar para perto", e Lázaro fora chamado para perto de Abraão e de Deus, em quem ele confiara. O rico, atormen­tado, suplicou a Abraão que mandas­se Lázaro aliviar a sua angústia. Isso significa que além do espaço vazio, o qual divide os dois lugares, as vozes podiam ser ouvidas distintamente. Com perfeita inteligência espiritual, Abraão sabia tudo sobre a prosperi­dade do rico, como sobre a miséria de Lázaro, e disse ao primeiro que se lembrasse do passado. E aquela lem­brança constituía o seu inferno e era a chama que o atormentava. O nosso Senhor então prosseguiu e disse que o seio de Abraão era um exemplo que denotava a impossibilidade das almas perdidas irem para o céu, ou dos sal­vos visitarem o inferno. O espaço va­zio é intransponível.
Consciente de sua condenação o rico pediu que Lázaro fosse libera­do por algum tempo, para atuar como evangelista junto aos seus cinco irmãos, que estavam a cami­nho do mesmo lugar de tormento. Ele não suportava a idéia de esta­rem juntos novamente, no inferno. Mas Lázaro, que uma vez fora men­digo, agora companheiro de Abraão, não seria bem-sucedido. Mais tarde outro Lázaro ressusci­tou dentre os mortos. Que efeito a sua ressurreição teve sobre os fariseus ricos e contentes consigo mesmos? Tentaram matá-lo. Por fim Jesus morreu e reviveu, e com que resultado? Aquelas mesmas pessoas não mudaram a sua atitu­de com relação a Cristo, como fi­cou provado pelo seu esforço em matar todos os que o seguiam.
"Têm Moisés e os profetas", que os seus irmãos os ouçam. Nada es­petacular ou milagroso pode causar qualquer efeito sobre as vidas huma­nas, se não crerem em Jesus e obe­decerem à Palavra de Deus. Não te­mos qualquer luz, além da revela­ção divina. O rico pensava que algo sensacional poderia constituir-se num apelo à consciência dos seus cin­co irmãos perdidos. Mas nada, além da revelação dada nas Escrituras do AT, poderia evitar que viessem a di­vidir com o seu irmão a mesma con­denação. Se as parábolas de Lucas 15 falam da misericórdia e compai­xão de Deus com relação ao arrepen­dido, essa que acabamos de analisar apresenta, de forma muito clara, a justiça e a justa indignação com re­lação aos que morreram sem arre­pendimento (Rm 1:18). As grandes lições que ficaram para nós deveri­am ser seriamente consideradas por todos:

O homem não pode servir a dois senhores. Se ele ganha o mundo e perde a sua alma, a sua perda será eterna.
A escolha feita na terra determi­na a vida futura; e essa escolha é definitiva. A sepultura não pode fa­zer qualquer milagre para mudar isso.
A personalidade continua no fu­turo —sentimentos, conhecimento, visão, raciocínio e memória. Essas faculdades nos auxiliarão na nossa felicidade, ou acrescentarão mais dor ao nosso tormento?
O céu e o inferno são reais, e o nosso destino eterno não depende de riqueza ou pobreza, mas do nosso relacionamento com Jesus Cristo, que veio como profetizado por Moisés e pelos homens de Deus como o Sal­vador do mundo.

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